segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Entrevista a Marta Mendes

Há cerca de ano e meio, numa formação, fui desafiado a realizar uma entrevista a uma pessoa conhecida que se destacasse na sua área. Depois de refletir um pouco, a escola foi evidente:
Marta Mendes, treinadora de Natação do Eléctrico Futebol Clube da Ponte de Sor.
Nos últimos anos a Marta foi claramente, ao nível da natação regional, a treinadora que se destacou em termos de resultados e apesar do seu estilo discreto, não deixa ninguém indiferente à forma humana como lidera e acompanha os seus nadadores.
De forma simpática e prestável a Marta aceitou o desafio e o meu trabalho ficou concretizado, com bom aproveitamento!!
Agora que a Treinadora Marta Mendes voltou às nossas piscinas, e apesar do lapso temporal pareceu-me oportuno republicar, agora neste blog, a entrevista que me concedeu e a qual desde já agradeço.



– Apresentação:
Marta Mendes
Treinadora de Natação do Eléctrico Futebol Clube

Levou os nadadores da Ponte Sor, uma cidade modesta do Alentejo, a marcar presença regular nos campeonatos nacionais de natação. Os seus nadadores conquistaram vários pódios nacionais e entre os quais alguns títulos de campeão nacional.
Levou o Eléctrico Futebol Cube ao titulo de Campeão Nacional de Clubes da 4ª divisão em 2013. Este clube, com a Marta a liderar o treino, dominou claramente a natação regional da Associação de Natação do Interior Centro durante os últimos anos.

– Como te tornaste treinadora de natação?
Os meus pais puseram-me na natação aos 6 anos. Detestei durante anos! Eram daqueles pais que se punham lá em cima na bancada a incentivar para ver se eu não chorava e fazia a aula até ao fim. Com o passar do tempo fui ganhando gosto pela modalidade, passei para a competição e só deixei quando fui para a Faculdade. Tive um treinador que me marcou muito
enquanto atleta e pessoa, o Filipe Coelho. Foi meu treinador no Belenenses e depois no Clube de Natação da Amadora. Era uma pessoa bastante sensata e equilibrada e que eu via como um exemplo. Era professor de Educação Física e treinador de natação, profissões que eu achava que se identificavam comigo. Não me revia numa profissão de secretária e sem actividade física. E assim foi… Tirei o curso de Ciências do Desporto na FMH com a especialidade de Natação. Comecei com aulas de aprendizagem e aperfeiçoamento que depois me levaram a formar uma equipa de competição, no Eléctrico Futebol Clube.

-Da tua carreira como treinadora, qual foi o momento mais gratificante?
Existem vários momentos que nos gratificam bastante. Vão aparecendo como que por níveis ou patamares.
Inicialmente, quando um atleta consegue tempos para um Campeonato Zonal parece que não há sensação mais gratificante. Depois vamos querendo sempre mais e mais e não nos contentamos com apenas um TAC. Depois aparecem os TACs Nacionais e as tentativas dos pódios Nacionais. Acho que a ambição vai aumentando com a superação de objectivos.
Lembro-me de 2 momentos que me deixaram muito orgulhosa. Um deles foi quando o Ricardo Moura ganhou as 5 provas em que estava inscrito nos Campeonatos Nacionais de Infantis (no estádio universitário), o outro, quando a equipa masculina ganhou o Campeonato Nacional de Clubes de 4ª divisão.

-Que características achas mais importantes num nadador?
Ao nível da personalidade acho que a humildade, espirito de sacrifício e perseverança são determinantes no percurso de um atleta. Chega a uma dada altura, após o atleta alcançar o seu potencial morfológico máximo (estatura, dimensão dos membros, pés e mãos), em que, se não for com trabalho os resultados não vão aparecer.

-No treino, quais são os aspectos a que dás mais importância?
No geral e transversal a todas as idades, acho que transmitir espírito de equipa e de entreajuda entre atletas é bastante importante. Tecnicamente, os aspectos mais importantes vão tendo pesos diferentes conforme vamos avançando na idade. Nos atletas mais novos dou muita importância à correcção técnica do estilo e conforme vão avançando na idade vou dando mais importância às qualidades físicas.

-E quanto aos erros? Quais são os principais erros a que os treinadores submetem os seus nadadores?
Penso que um erro grande que se comete (e eu pessoalmente já o cometi) é descuidar a parte da formação. Quando temos poucos nadadores e não se justificam vários treinadores para as diferentes categorias, caímos no erro de dar mais atenção aos atletas que têm objectivos mais elevados, descurando dessa forma os atletas mais novos e que estão numa fase importante de aprendizagem.

-Achas que um nadador sem grande propensão genética pode ser um nadador de topo se treinar bem?
Acho que um nadador de elite tem de ter um conjunto muito alargado de qualidades físicas e psicológicas, que bem trabalhadas podem vir a dar frutos. Não acho que um atleta possa ser de topo se tiver as qualidades físicas sem serem exploradas ao máximo, ou apenas ser muito trabalhador sem as qualidades físicas necessárias.


-Como vês o futuro da natação regional? 
Geograficamente a ANIC é uma associação demasiado grande. Não é fácil para os clubes suportarem financeiramente todas as provas do calendário regional, o que faz com que seja quase obrigatória a selecção de algumas provas em que não se irá participar. Por esta razão, entre outras, existem provas que se tornam pouco competitivas, o que faz com que os atletas e treinadores se desmotivem e baixem os seus objectivos. Assim sendo, não vejo que o futuro da nossa natação regional seja muito positivo, mas esperemos que tudo se ultrapasse e que apareçam medidas que ajudem os clubes e facilitem a sua participação em provas mais perto da sua sede.

-Achas possível um nadador da região (ANIC) vir a ser nadador olímpico? 
Poderá ser formado em algum clube da ANIC, mas para progredir não será fácil sê-lo num clube da nossa associação. São necessárias tantas condições que não existem no interior…
Piscina de 50 metros coberta, colegas de equipa de nível muito alto, vários profissionais disponíveis para intervir nas mais vastas área, predisposição para treinos bi-diários todos os dias da semana…

-Se um mecenas te dissesse: estou disposto a investir o que for preciso para levar um nadador da Ponte de Sor aos Jogos Olímpicos! O que lhe dirias?
Se eu visse que havia algum atleta com as qualidades físicas e psicológicas para ter sucesso não hesitava. Tínhamos era que ir viver para fora de Ponte de Sor. Teríamos de ter ao nosso dispor horários de treinos sem limitações em piscinas olímpicas, fisioterapeuta, nutricionista, psicólogo, preparador físico para treino de seco, ginásio, professor para acompanhar nos estudos… Tudo o que é possível nas academias de treino no estrangeiro.

-Que características achas que um treinador deve ter? 
Deve estar consciente que vai prescindir de imenso tempo familiar e pessoal para dedicar aos treinos e provas; deve ter a plena noção que vai deixar de estar presente em inúmeros momentos importantes das pessoas que lhe são próximas; deve ser uma pessoa sensata, boa ouvinte, ponderada e deve procurar atualizar-se constantemente sobre aspetos técnicos e metodologias de treino que se vão desenvolvendo e aparecendo.

-Se tivesses possibilidades o que perguntarias ao Michael Phelps?
Gostaria de analisar com ele, treino a treino, tarefa a tarefa, quais as sensações, o que lhe passava pela cabeça, qual a estratégia de auto-motivação, que ele usava para encarar cada tarefa. Perguntava-lhe ainda: o que te mantém por cá, depois de mais de vinte medalhas olímpicas?

-E o que perguntarias à Katinka?
À Katinka, que apesar de ser uma excelente atleta, ainda não se equipara ao Michael Phelps, gostaria que me dissesse se a depressão que sentiu depois dos Jogos Olímpicos em Londres, o afastamento da família quando foi treinar para os Estados Unidos, todos os momentos da sua vida de criança e adolescente que ficaram para trás e que não foram vividos normalmente, se todas essas situações se desvanecem e se valem a pena quando ela consegue atingir os seus objetivos.

Obrigado Marta e votos do maior sucesso!

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